Se olharmos o que vêm mostrando os números sobre a economia, a sensação é que entramos em um período de prosperidade. O PIB, embora tenha desacelerado no terceiro trimestre deste ano – cresceu 0,9% sobre o trimestre anterior, quando havia avançado 1,4% sobre o anterior –, o crescimento deste ano nos nove primeiros meses já chega a 3,3%. Em taxas anualizadas, o PIB está crescendo 4%. Além disso, o IBGE revisou o crescimento do ano passado de 2,9% para 3,2%. Este ano, a previsão é de que o PIB cresça perto dos 3,5%.
A taxa de desemprego continua sua trajetória de queda. No trimestre encerrado em outubro ela despencou para 6,2%, a menor da série histórica que teve início em 2012. O salário mínimo cresceu três vezes mais que a inflação de 1996 a 2024: enquanto a taxa acumulada do INPC no período de dezembro de 1996 a outubro de 2024 foi de 429,3%, o mínimo cresceu 1.160,7% até 2024. E essa política de valorização vai continuar no governo Lula, embora com menor intensidade, mas mesmo assim com ganhos reais.
É bom lembrar que os salários reais crescem a 5% em 2024 sobre 2023, um crescimento incompatível com a evolução da produtividade do trabalho, que tem rodado praticamente a zero, segundo o Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE, como lembra o pesquisador associado do FGV IBRE, Samuel Pessôa.
Também há um forte aumento do crédito este ano com empréstimos e financiamentos. Até outubro as concessões às pessoas físicas aumentaram 14,4%. Nos últimos 12 meses, a expansão foi de 13,5%, em termos nominais, segundo dados do Banco Central. A isso se somam as transferências de renda, as aposentadorias e benefícios assistenciais, o que tem turbinado o consumo das famílias que cresceu 1,5% no terceiro trimestre de 2024.
No ano passado, a pobreza e a pobreza extrema caíram para os menores níveis já registrados no país desde 2012, quando teve início a série histórica do IBGE: a parcela de pobres na população recuou para 27,4%, enquanto os extremamente pobres representaram 4,4%, parcela que nunca tinha ficado abaixo de 5%, segundo anunciou o IBGE.
Como temos visto, a economia brasileira tem surpreendido os economistas desde 2021. As previsões de crescimento projetadas não se concretizaram, com o PIB crescendo muito acima do que havia sido projetado.
Em 2021, a média do crescimento projetado do PIB era de 3,4%: o crescimento foi de 4,8%. No ano seguinte, a previsão inicial era crescer só 0,3%: o PIB avançou 3%. No ano passado se começou com 0,8%. O ano fechou em 3,2%. Este ano a previsão era da ordem de 1,5%: devemos fechar 2024 com algo ao redor dos 3,5%.
As razões para isso não estão claras, abarcando um leque de fatores: impacto das reformas aprovadas, como da Previdência, Marco do Saneamento, Reforma Trabalhista, forte política fiscal expansionista, surpresas com o mercado de trabalho mais forte do que o esperado, entre outras. Mas, na verdade, ninguém sabe ao certo a razão das previsões estarem dando com os burros n’água.
Mas deixando isso de lado, com tantos dados favoráveis era de se esperar que a casa estava sendo arrumada. Mas um monte de economistas – e nós, jornalistas econômicos –, alertam que o filme não é tão bom assim.
Vamos começar com os dados do PIB que o IBGE divulgou no último dia 3 de dezembro. Um que chama a atenção é a queda na taxa de poupança doméstica: de 15,4% do PIB no terceiro trimestre de 2023, caiu para 14,9% neste terceiro trimestre. Sem poupança não há como financiar o investimento. Essa queda está relacionada à piora do resultado fiscal, bem como à trajetória ascendente do consumo das famílias ao longo dos trimestres, o que diminui o nível de poupança. Gasta-se mais para consumir e se poupa menos.
O PIB vem crescendo, em grande parte, ancorado no consumo das famílias e nos gastos do governo, como mostram os dados do IBGE. Com a economia aquecida, por unanimidade, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, em sua última reunião desse ano, elevou em 1 ponto percentual a taxa de juros, a Selic, que passou para 12,25% ao ano. Só em maio de 2022 que uma alta semelhante havia ocorrido em uma reunião. Também foi sinalizado que nas duas próximas reuniões os juros devem manter essa trajetória de alta de 1 ponto percentual.
Embora o efeito dessa alta já contratada pelo mercado não seja imediato, é uma forma de reduzir o consumo: as coisas ficarão mais caras, diminuindo o poder de compra e impactando o crédito, que ficará mais caro e seletivo. Ou seja: desestimula o consumo e os investimentos. Também pode gerar um aumento das taxas de desemprego e do endividamento das famílias. Juros maiores também impactam a dívida pública.
Outra questão que não se resolve – e a meu ver, continuará sendo empurrada com a barriga –, é a dos gastos, como forma de controlar as contas públicas. O governo anunciou um programa de contenção – não se falou em corte de gastos –, em pronunciamento em cadeia nacional pelo ministro Fernando Haddad. Foi incluída a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, o que foi muito mal recebido pelo mercado e por economistas. Pesquisa Genial/Quaest divulgada no último dia 4/12, mostrou que 85% dos agentes de mercado ouvidos consideraram a medida prejudicial à economia, já que são R$ 35 a 40 bilhões que o governo deixará de arrecadar, num cenário de desequilíbrio fiscal.
Já o Dieese apresentou estudo mostrando que a medida, que pode começar a vigorar no ano que vem se o Congresso aprovar, garantiria para quem ganha R$ 5 mil por mês, e paga R$ 335,15 de Imposto de Renda todo o mês, um salário adicional de R$ 4,4 mil, ou seja, um salário a mais por ano.
Vista como uma proposta mais de cunho eleitoral – a popularidade do presidente Lula vem desabando –, o que não ficou claro é de onde sairão os cerca de R$ 35 a 40 bilhões que o governo deixará de arrecadar se a proposta for aprovada. Para o governo, isso seria compensado com a taxação maior, da ordem de 10%, de quem ganha acima de R$ 50 mil por mês. É uma aposta, pois não se sabe se isso passará no Congresso da forma como o governo espera. A proposta pode ser desidratada ou, simplesmente, não avançar. Não deixa de ser um cutelo nas contas públicas.
Além disso, a proposta de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, segundo o pesquisador do FGV IBRE, Bráulio Borges, pioraria a desigualdade, uma vez que o contingente de pessoas nessa faixa já está entre os 25% mais ricos do país.
Depois que as medidas foram anunciadas, o dólar disparou, flertando na casa dos R$ 6,00, caindo e subindo ligeiramente ao longo da semana. Como dizia o ex-ministro Mário Henrique Simonsen, a inflação aleija, mas o câmbio mata.
A sustentabilidade fiscal continua sendo o grande problema a ser resolvido. O esforço do ministro Haddad em tentar arrumar a casa, tem esbarrado em resistências políticas dentro do governo, como foi o caso do anúncio da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, cerca de 70 milhões de brasileiros, que o ministro queria tirar do anúncio feito. Mas foi derrotado pela ala política do Planalto.
Para muitos economistas, o que foi anunciado – (5/12), a Câmara dos Deputados aprovou, por placar apertado, os requerimentos de urgência para os projetos de lei do ajuste fiscal, o que possibilita que eles poderão ir direto a plenário –, não resolve o problema da sustentabilidade fiscal.
Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE avaliou, em entrevista ao O Estado de S. Paulo, que a visão – equivocada – do governo pode ter sido a de “comprar tempo” com o pacote anunciado, apoiada na avaliação de baixo risco de que uma crise mais séria aconteça antes das eleições de 2026. Mas avaliou que, se nenhum esforço adicional for feito, há espaço para uma piora dos ativos brasileiros, o que significaria maior desequilíbrio macroeconômico. É o famoso “empurrar com a barriga” que mencionei antes. Pode ser uma aposta arriscada, já que faltam ainda dois anos para as próximas eleições presidenciais.
Samuel Pessôa, em sua coluna na Folha de S.Paulo do último sábado (7/12), aponta que o crescimento da economia tem sido “altamente desequilibrado. Se é verdade que a economia cresceu 4% ante o mesmo período do ano passado, a demanda interna cresceu 5,7%.
As exportações cresceram 2,1%, enquanto as importações cresceram 17,7%. No acumulado de janeiro a novembro de 2024 ante o mesmo período de 2023, a quantidade de bens e serviços importados cresceu 18,1%.
Em uma economia que opera além de sua capacidade produtiva, dois fatos ocorrem: parte do crescimento vaza para o exterior, na forma de exportações líquidas em queda; e a pressão de demanda sobre os recursos não transacionáveis internacionalmente acelera a inflação de serviços”.
Relembre: A colaboração de pesquisadores do FGV IBRE na análise do pacote fiscal do governo federal.
Há, ainda, muita insatisfação no seio parlamentar. Especialmente com a decisão do ministro Flávio Dino, do STF, que liberou a execução das emendas parlamentares, mas com novas regras: foi alterado o valor das emendas; foi exigido um plano de trabalho para as chamadas “emendas Pix”; e foi determinado que seja divulgado, individualmente, o deputado e senador que for o padrinho das emendas de bancada e comissão, que são coletivas.
Nessa queda de braço, ao que tudo indica, o pacote fiscal só irá para frente se houver um recuo do que o ministro Flávio Dino determinou. Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV IBRE (CPFO), faz uma análise da reação do mercado ao pacote do governo no Em Foco da última sexta-feira (6/12), em matéria da editora Solange Monteiro, ressaltando que que existem três aspectos principais para se analisar essa reação, que vão além do risco fiscal: de timing, a incidência da tributação em si e outro macroeconômico.
Veja: Reação do mercado ao pacote do governo: “risco fiscal não explica tudo”.
A matéria de capa desta edição e a Carta do IBRE se debruçam sobre esse tema, procurando mostrar os riscos fiscais e possíveis caminhos para que se caminhe para um equilíbrio das contas públicas. Outro problemão desse quadro de descontrole fiscal é a inflação que pode fugir de controle e deve fechar o ano entre 4,5% a 5%, acima do intervalo da meta. A inflação de serviços subjacentes – indicador de inflação criado pelo BC que acompanha de perto o ciclo econômico – terminará o ano a 5,7%. No ano passado, fechou a 4,8%. Para 2025, as pressões inflacionárias poderão se intensificar, o que pode levar o Banco Central a manter sua trajetória de alta de juros. Por sinal, alguns balões de ensaio já começam a ser lançados sobre mudanças na meta de inflação.
Em entrevista ao Uol, o ex-ministro Guido Mantega defendeu uma revisão do teto, afirmando que o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo “precisa olhar os dados, olhar os números, mas sair dessa prisão da meta de inflação de 3%, que é inviável”.
A reação de membros do governo, como foi noticiado, foi contrária a essa ideia, e que a meta não será mudada “de jeito nenhum”. Mas essa discussão pode ganhar corpo se a inflação continuar resiliente no ano que vem. Ampliar o teto da meta seria desastroso, pois abriria caminho para maior alta de preços, real mais desvalorizado.
Além dos problemas internos, há grande expectativa do que vai ocorrer nos Estados Unidos com a eleição de Donald Trump que, a princípio, irá aumentar o protecionismo e as disputas geopolíticas com a China, tornando o mundo mais conturbado. O ano que vem começaremos a saber os impactos da administração Trump sobre a economia global. E o que pode nos afetar mais duramente. Também temos os conflitos no Oriente Médio, agora ampliados com a queda do ditador sírio Bashar al-Assad por grupos rebeldes de várias facções, além da longa guerra entre Rússia e Ucrânia.
Anote: O pavio está aceso.
Meus agradecimentos a Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, e a Katherine Henings, pesquisadora associado do FGV IBRE, pelas valiosas contribuições para o texto. Possíveis incorreções são de minha inteira responsabilidade.
Claudio Conceição | claudio.conceicao@fgv.br
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