A inflação percebida pelas famílias, nas mais diversas regiões do país, segue uma dinâmica muito particular. Famílias com o mesmo nível de renda, mas residentes em diferentes regiões, podem perceber diferenças no comportamento da inflação. Tais diferenças se sustentam em função dos hábitos de consumo, dos impostos, do frete, do clima e de vários outros fatores. Além disso, famílias em diferentes classes sociais também tendem a sentir diferença no comportamento da inflação. Famílias de baixa renda, por exemplo, comprometem a maior parte do orçamento familiar com alimentos, enquanto as famílias de renda mais elevada gastam mais com serviços. Essas diferenças fazem com que a inflação não seja a mesma para todos.
Para destacar essas diferenças, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE) passará a divulgar o Índice de Preços ao Consumidor Regional (IPC-Regional). Este índice foi construído a partir da agregação da inflação média apurada nas principais capitais das cinco grandes regiões que dividem o país e vai estimar a inflação de cada região para famílias de baixa renda (até 1,5 salário-mínimo mensal) e para famílias de alta renda (acima de 11,5 salários-mínimos mensais).
Para compreender como a inflação afeta de maneira distinta o orçamento de famílias dos diversos níveis sociais, basta observar o percentual do orçamento familiar comprometido com diferentes grupos de despesa. As famílias de menor renda, por exemplo, comprometem uma parcela maior do orçamento com alimentos, enquanto famílias de renda mais elevada tendem a gastar mais com serviços.
Inicialmente, será abordada a região Nordeste, pelo fato desta ter experimentado um processo inflacionário um pouco mais rigoroso que as demais.
IPC – Nordeste
Das cinco grandes regiões do país, o Nordeste registrou a inflação mais alta para famílias com renda até 1,5 salário-mínimo mensal, denominadas de famílias de baixa renda. Entre janeiro de 2020 e março de 2023, a inflação para famílias de baixa renda na região subiu 26,46% e a alimentação — que ocupa espaço destacado no orçamento destas famílias — aumentou 43,24%, muito acima da inflação.
Para ilustrar algumas das fontes de pressão, foram selecionados 10 alimentos relevantes na despesa com gêneros alimentícios, que apresentaram aumento muito acima da inflação média. São eles: óleo de soja (119,02%), arroz (80,41%), milho de pipoca (76,46%), farinha de mandioca (74,45%), açúcar cristal (59,71%), margarina (59,43%), linguiça (58,49%), ovos (56,48%), leite em pó (54,05%) e pão francês (46,37%).
Outra classe de despesa que ocupa um espaço de destaque no orçamento familiar é o grupo habitação, onde ficam alocadas as despesas com serviços de moradia, itens de conservação e reparo e tarifas públicas. Entre janeiro de 2020 e março de 2023, as despesas com habitação avançaram 25,80%. Neste grupo, merecem destaque despesas com gás de botijão (61,90%), material de limpeza (39,86%) e energia elétrica (23,99%).
Ainda considerando o mesmo período, outro importante desafio para famílias de baixa renda, são as despesas com saúde e cuidados pessoais, grupo de despesa que subiu em média 19,24%. Dentro deste grupo merecem destaque itens básicos de higiene, como: sabonete (56,17%), creme dental (44,48%) e papel higiênico (44,34%).
Por fim, vale comentar o comportamento do grupo transportes, que compromete 11,4% do orçamento familiar de baixa renda, e que registrou avanço de 18,32%, entre 2020 e 2023, conduzido pelo preço dos combustíveis, entre os quais vale citar o diesel (55,88%) e a gasolina (24,37%).
Como evidenciado na tabela 1 do release, as famílias de alta renda possuem hábitos de consumo diferentes, pois quanto mais se ganha, menos se compromete a renda com alimentos. Para famílias neste grupo social, os gastos com transporte, principalmente transporte próprio, comprometem 25,4% da renda familiar. A inflação acumulada entre janeiro de 2020 e março de 2023, para este grupo, foi de 24,66%. Neste rol de despesas, destacam-se os gastos com veículos (30,79%), peças e acessórios (25,97%) e combustíveis e lubrificantes (25,56%).
Complementando as despesas que oneram mais o orçamento das famílias de alta renda, vale citar os gastos com habitação, grupo que subiu 17,94% no mesmo período. Este grupo reúne despesas com materiais para reparos de residência (26,88%), serviços públicos (26,27%), aluguel e condomínio (23,23%) e eletrodomésticos (18,55%). Entre janeiro de 2020 e março de 2023, a inflação foi influenciada por diversos fatores. O primeiro deles foi a pandemia de Covid-19, seguido pela crise hídrica e aumento do preço do petróleo em 2021, culminando com o conflito geopolítico entre Rússia e Ucrânia em 2022, que afetou novamente o preço do petróleo, bem como de importantes commodities agrícolas, como trigo e milho. Sob a ótica da inflação, em 2020, o maior desafio foi os alimentos, cujos preços sofreram com o aumento da demanda. Em 2021, foi a vez da crise hídrica afetar o preço da energia e a alta do petróleo impactar o preço dos combustíveis. Por fim, em 2022, os preços dos alimentos sofreram novo impulso por causa da guerra.