A Reforma Previdenciária que faltou: a revisão das regras de aposentadoria rural

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A Reforma Previdenciária que faltou: a revisão das regras de aposentadoria rural

Em 2015, o déficit público brasileiro foi superior a 10 % do PIB1. Independentemente do reconhecimento de que, para a realidade daquela época, certamente contribuíram decisivamente tanto as elevadas despesas financeiras associadas ao pagamento de juros da dívida pública, como a dinâmica negativa da receita no contexto da intensa recessão vivenciada naquele ano, parte importante daquela realidade se explica pelo que vinha acontecendo com a despesa previdenciária do RGPS/INSS, que depois de ter sido de apenas 2,5 % do PIB em 1988 – por ocasião da aprovação da nova Constituição - alcançou mais de 7 % do PIB naquele ano. Essa situação, mantida no ano seguinte, quando diante das mesmas tendências o gasto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS/INSS) ultrapassou 8 % do PIB, levou o Governo de Michel Temer – que tinha sucedido Dilma Rousseff em virtude do impeachment desta em 2016 – a propor uma ambiciosa reforma da Previdência Social ao Congresso Nacional em 2016 (Proposta de Emendas Constitucional – PEC 287/2016). Os problemas para a sustentação política do Governo levaram a sucessivas postergações da medida, em outro contexto e com outra proposta (PEC 03/2019), já no Governo do Presidente Jair Bolsonaro, finalmente aprovada em 2019 sob a forma da Emenda Constitucional (EC) 103/2019.

Esta mudança foi extremamente importante, mas se caracterizou por uma dualidade. Pontos em que as regras claramente privilegiavam alguns segmentos e poderiam ser alterados com uma resistência politicamente palatável foram de fato modificados, como por exemplo, notadamente, as regras para a aposentadoria por tempo de contribuição. Já questões que ensejariam uma maior resistência política e/ou social foram, compreensivelmente, deixadas de lado. Cabe citar, entre elas, a possibilidade de ampliação da exigência para a aposentadoria por idade; a maior distinção entre os requisitos para a obtenção dos benefícios de previdência por um lado e assistência social por outro; o requisito de diferenciação de idade de aposentadoria entre homens e mulheres; e as regras de aposentadoria rural. O presente artigo trata desta última questão, em um contexto onde, apesar da reforma de 2019, a despesa previdenciária, considerando todos os regimes públicos, inclusive militares, nas três alçadas de Governo, chega a um patamar da ordem de 12% do PIB no ano de 2022.2 Caso também seja considerado o gasto com o Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/LOAS), o patamar alcança 13% do PIB. Além do nível elevado, as projeções para as próximas décadas apontam para um crescimento da despesa e dos desafios de sustentabilidade do sistema, em meio à continuidade do rápido e intenso envelhecimento populacional, com forte crescimento dos potenciais beneficiários e, até mesmo, retração dos possíveis contribuintes, a partir de determinada fase, mesmo considerando os efeitos positivos da reforma de 2019.