Imposto seletivo deve ter papel mais importante na regulação da reforma tributária

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No final do ano passado, foi aprovada a Emenda Constitucional (EC) 132, da reforma tributária, que criou um sistema de tributação sobre o consumo no Brasil, substituindo cinco tributos atuais: IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS. Para o seu lugar, foram criados três tributos: a CBS e o IBS, exatamente com a mesma base, sendo a primeira do governo federal e o segundo repartido entre estados e municípios; e o chamado “Imposto Seletivo (IS)”, a ser dividido entre o governo federal e os regionais (40% para o primeiro, com o restante para os demais). 

Após a aprovação da EC definindo as diretrizes gerais do novo sistema, o governo está enviando ao Congresso neste ano alguns projetos de lei para regulamentar a reforma tributária, que tem um prazo de transição que vai de 2026 a 2032. Ao fim de abril deste ano, o governo enviou ao Congresso o projeto de lei complementar (PLP) número 68, também conhecido como “Lei Geral da CBS, do IBS e do Imposto Seletivo”. Entre muitos outros aspectos, a LC lista os 15 produtos que farão parte da cesta básica nacional (hoje são mais de 1,2 mil) e serão totalmente isentos de impostos sobre o consumo. 

E há 13 outros produtos que vão compor uma cesta básica “ampliada”, que terão redução de 60% na alíquota. Essa lei também trouxe uma lista de produtos sobre a qual incidirá o Imposto Seletivo (IS), que é uma sobretaxação (cumulativa, que não gera crédito) de itens que geram externalidades negativas tanto para o meio ambiente como para a saúde humana. 

Como observa Bráulio Borges, pesquisador do FGV IBRE, que preparou o material no qual se baseia esta Carta, a origem conceitual do IS (­excise tax, em inglês) remonta aos trabalhos do economista Arthur Pigou, nos anos 1920, tendo como pano de fundo a ideia de taxar externalidades negativas (“taxa pigouviana”) com o intuito de gerar mudanças de hábitos de consumo e/ou induzir mudanças tecnológicas para reduzir a nocividade dos produtos, ou mesmo substituí-los por outros que não geram esses efeitos negativos.

Na prática, porém, emergem algumas dificuldades na implementação dos excise taxes, também conhecidos como sin taxes (impostos do pecado). Em primeiro lugar, há a questão da dificuldade de quantificar/valorar essas externalidades negativas (vide a grande amplitude das estimativas mais recentes do chamado custo social do carbono, por exemplo, que oscilam entre US$ 50 e US$ 1.000 por tonelada adicional de CO2 equivalente despejado na atmosfera).

Ademais, como quase tudo em economia, há um trade-off: quanto maior a alíquota do IS (que é aplicada sobre a alíquota de referência dos tributos sobre o consumo), maior tende a ser o uso de “mercados subterrâneos” (ilegais, informais, contrabando) para esses produtos, fazendo com que não necessariamente o consumo deles seja reduzido. Por exemplo, quanto maior o imposto seletivo cobrado em maços de cigarro, maior a tendência a haver contrabando. O bem-estar social pode até mesmo piorar com um IS mal desenhado e implementado, já que produtos do mercado não formal podem ser mais nocivos do que aqueles do mercado formal. 

É nesse contexto que, ao evitar uma sobretaxação “confiscatória”, que pode ser contraproducente, o IS pode ser mais bem entendido, para Borges, como uma espécie de “indenização” ou “taxa de uso” paga à sociedade pelos indivíduos que consomem aqueles produtos que geram internalidades e externalidades negativas. Em paralelo à taxação, a regulação também pode contribuir para reduzir a produção e o consumo desses produtos e/ou reduzir sua nocividade. 

Os excise taxes, em sua origem, incidiam sobre produtos há muito tempo percebidos como nocivos, como bebidas alcoólicas, mas evoluiu para incluir cigarros, combustíveis fósseis e há discussões para ampliar a abrangência, como emissões de carbono em geral, cannabis (que está sendo legalizada em vários países), plásticos, determinados alimentos etc. Em vários países, algumas dessas inclusões já ocorreram.

Focando no Brasil, Borges observa que, no contexto da regulamentação da reforma tributária, os lobbies setoriais estão trabalhando pesadamente junto ao Congresso para que seus produtos entrem na cesta básica, ou pelo menos na ampliada, e para que não sejam objeto do imposto seletivo. O PLP 68/2024 traz uma lista taxativa dos produtos sobre os quais incidirá o IS. Estão incluídos os veículos, com taxação mais alta para os mais poluentes, assim como embarcações e aeronaves. Também constam fumo e bebidas alcoólicas (que já tinham sobretaxação) e, como novidade, as bebidas açucaradas (seguindo tendência já bastante disseminada entre os demais países).

Antes mesmo do PLP 68/2024, a EC 123/2023 também já havia definido um IS sobre a extração de petróleo, gás natural e minério de ferro (alíquota máxima de 1% do faturamento). Esse último ponto é polêmico, pois se trata de cobrança na produção, e não no consumo, e quase sempre impostos seletivos são aplicados na ponta final do consumo. No cronograma da reforma tributária, o IS passará a ser cobrado em 2027, primeiro ano de um novo mandato presidencial. 

Borges nota que, nos últimos 15 anos, o consumo foi bastante desonerado no Brasil. Seus cálculos tomam toda a arrecadação sobre o consumo (há outros tributos, para além dos cinco que estão sendo substituídos na reforma tributária). Esses totais são divididos pela base total de consumo. Ele acrescenta que as desonerações com objetivo eleitoral implementadas em 2022 tiveram impacto pleno em 2023. As medidas relativas ao ICMS e ao IPI não foram revertidas e o PIS/Cofins relativo aos combustíveis só foi plenamente revertido a partir de janeiro deste ano. 

Tomando-se os cinco tributos que entraram na reforma tributária, houve um pico de carga efetiva equivalente a 31% do consumo em 2008, e em 2023 esse percentual caiu abaixo de 23%. Na média de 2012 a 2021, os cinco impostos corresponderam a pouco mais de 26% do consumo. Borges aponta que, para essa queda, também foi decisiva a redução dos excise taxes já existentes no Brasil, como IPI e Cide. A Cide, que incide sobre combustíveis, e chegou a arrecadar 0,5% do PIB no seu primeiro ano de vigência (2002), está praticamente zerada desde 2018/2019 (em consequência da greve dos caminhoneiros). O IPI chegou a arrecadar quase 2% do PIB em meados da década de 1990 e hoje arrecada ¼ disso. Como resultado, a soma dos dois impostos, que chegou a um pico de quase 4% do consumo total no início dos anos 2000, reduziu-se para pouco acima de 1% em 2023.

Borges observa que não há evidência de que a queda do IPI em produtos com externalidades negativas, como fumo, bebidas e automóveis, esteja ligada a uma desejável queda de consumo. É verdade que a proporção de fumantes diminuiu, mas há muito contrabando de cigarros, e, no caso de automóveis e combustíveis de origem fóssil, houve políticas de desoneração. 

Numa comparação, desde 1998, de quanto o Brasil e o conjunto dos países da América Latina e do Caribe arrecadam com excise taxes como proporção do PIB, nota-se que se sai de níveis semelhantes (com o Brasil até acima por boa parte dos anos 2000), para uma diferença gritante em 2021 (último dado de uma série do Banco Mundial). Nessa data mais recente, enquanto América Latina e Caribe arrecadaram próximo a 2% do PIB, o Brasil está abaixo de 1%. 

Em 2022/2023, segundo as estimativas do Centro de Política Fiscal e Orçamento do IBRE, as receitas com excise taxes no Brasil recuaram mais um tanto, para 0,6% do PIB (reflexo de desonerações do IPI implementadas ao longo de 2022, que não foram revertidas). Entre 2016 e 2021 estavam em torno de 0,8% do PIB. O Brasil claramente vai na contramão de países semelhantes, e do mundo. Segundo Borges, uma das principais causas dessa tendência no Brasil ao longo dos últimos anos foi uma progressiva desoneração de combustíveis fósseis.

Manoel Pires, colega de Borges no Centro de Política Fiscal e Orçamento do FGV IBRE, destaca que hoje no Brasil se subtributa alguns itens – um exemplo é o IPI de automóveis – comparado ao que se praticava no passado. Pires nota que, quando o ajuste fiscal foi feito no governo de Fernando Henrique Cardoso, houve aumento generalizado de carga tributária, como, por exemplo, na tributação de combustíveis, em um momento histórico em que não havia a consciência ambiental e sanitária de hoje. Para o economista, com um governo atualmente que põe particular foco nessas questões, é importante chamar a atenção para a questão da subtributação corrente desses produtos.

Um ponto importante que Borges tem enfatizado é que a reforma tributária aprovada no ano passado definiu que o somatório do IBS, CBS e IS não vai poder arrecadar mais do que a arrecadação efetiva, como proporção do PIB, dos cinco atuais impostos sobre o consumo (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) na média de 2012 a 2021. O que, naturalmente, define um teto, de pouco mais de 26%, para a carga efetiva sobre o consumo associada a esses tributos. Segundo o economista, a carga sobre o consumo hoje, por volta de 23-24%, está bem abaixo daquele teto. Assim, para ele, dado que o desequilíbrio fiscal brasileiro ainda é grande e não está resolvido, é bem possível que a calibragem das alíquotas de CBS, IBS e IS no novo sistema mire algo próximo àquela média de 2012-2021, e não próximo do que se arrecada hoje com os cinco impostos que serão substituídos.

O economista acrescenta que há várias maneiras de fazer essa recomposição. Isto é, pode-se combinar CBS, IBS e IS de diferentes formas para se chegar à arrecadação como proporção do PIB dos cinco impostos atuais na média 2012-2021. No caso da CBS e do IBS, a base é exatamente a mesma. A ponderação se fará, na verdade, entre IS e CBS, que são os dois impostos federais. O governo não pode aumentar a arrecadação do IS para reduzir a do IBS, pois esse imposto é dos estados e municípios (substitui o ICMS e o ISS). 

É neste ponto que Borges apresenta a defesa da tese de que o ideal seria, nessa recomposição da carga efetiva sobre o consumo (2023/2024 se aproximando da média 2012-2021), que boa parte da majoração (ante o status quo atual) se concentrasse no IS, uma vez que, como já notado, o Brasil foi na contramão do resto do mundo nos últimos anos. 

Essa majoração do IS ante o nível atual também poderia viabilizar uma redução da alíquota de referência da CBS e do IBS (via redução da CBS), desonerando o consumo de boa parte dos produtos, em troca do aumento de carga em alguns poucos produtos com externalidades negativas. Adicionalmente, um IS bem calibrado, em termos de alíquota e abrangência, ao reduzir as externalidades negativas sobre o meio ambiente e a saúde humana, poderia aumentar o bem-estar da sociedade, elevar o capital humano (com impacto positivo sobre o PIB potencial) e, ainda, reduzir os gastos públicos e privados com saúde alguns anos à frente. As receitas com um IS sobre emissões de gases de efeito estufa (taxação do carbono) também poderia contribuir para financiar a transição energética e até mesmo para melhorar o resultado primário.

Focando especificamente no potencial do IS no contexto brasileiro, Borges observa que o país sofre hoje de uma epidemia de obesidade (índice de massa corporal igual ou maior que 30), que atinge 24,3% da população adulta, ante 11,8% em 2006. Considerando o sobrepeso (IMC entre 25 e 30), a condição incluía pouco mais de 61% da população adulta brasileira em 2023. Há óbvias implicações negativas em gastos com saúde, em capital humano etc., e vários estudos mostram associação de causalidade entre o consumo de alimentos processados/ultraprocessados e bebidas açucaradas, de um lado, e o aumento das taxas de obesidade e sobrepeso, do outro. 

Borges cita ainda estudo recém-lançado, de autoria de economistas do Banco Mundial (Coelho, Ivins e Iunes, 2024), com estimativa de que, entre anos de vida ganhos por melhoria da saúde (em termos monetários) e redução de gastos com medicamentos, um IS de 20% sobre alimentos processados e ultraprocessados no Brasil, mesmo considerando o gasto extra das pessoas pela incidência do IS em produtos consumidos, geraria ganhos expressivos para a sociedade, sobretudo para as pessoas mais pobres. O estudo mostra que há ganhos para quase todos os decis de consumo (associados à renda, naturalmente), e neutralidade para o decil mais rico. Quanto mais pobre, maior o ganho do IS sobre processados e ultraprocessados, que atinge quase 15% no decil mais pobre.

Ainda assim, no PLP 68/2024, que regula os três novos impostos, os alimentos processados e ultraprocessados não foram submetidos ao IS e, inclusive, vários deles estão na alíquota reduzida em 60% da cesta básica ampliada. Aliás, produtos que estão na cesta básica, incluindo a ampliada, não podem, pela EC 123/23, ser alvos do IS. O Congresso também incluiu na EC, na última hora, uma vedação à aplicação do IS sobre armas e munições – algo que, na prática, deverá gerar um expressivo barateamento desses produtos, na contramão do que a evidência empírica mais recente sugere (mais armas, mais crimes). 

Na visão do economista do IBRE, lobbies atuaram com sucesso para conseguir colocar produtos processados e ultraprocessados na cesta básica ampliada, não só reduzindo o imposto sobre o consumo, mas garantindo a imunidade ao IS. Para Borges, evidentemente, processados e ultraprocessados deveriam sofrer a incidência do IS.

Em relação à taxação do carbono, talvez uma das principais discussões da atualidade, o pesquisador aponta que o Brasil praticamente não taxa as emissões. O Brasil não tem um sistema de comércio de emissões, o chamado cap-and-trade-system, implementado em vários países, e pelo qual as empresas podem emitir até um teto, e, se quiserem emitir mais, têm que comprar esse direito em mercado (a origem desses créditos são empresas que emitem menos do que o nível a que têm direito ou projetos de regeneração/preservação de florestas). Há uma discussão no Brasil no momento para a implantação desse mercado, ressalva o economista, mas concretamente ele ainda não existe. 

E tampouco o Brasil tem o chamado carbon tax, o imposto sobre o carbono. O mais próximo que o Brasil teve de algo análogo (mas com algumas diferenças) ao carbon tax foi a Cide-Combustíveis, mas que está zerada desde 2018/2019. O Brasil, nessa seara, está defasado em relação ao mundo, já que os países têm crescentemente adotado carbon taxes, sistemas cap-and-trade e limites a emissões. Mesmo considerando os impostos que hoje já incidem sobre combustíveis no Brasil, como PIS/Cofins e ICMS, o país tributa muito pouco as emissões e está reduzindo essa taxação, na contramão da agenda de mitigação das mudanças climáticas. Pires acrescenta que estudo da Rede Inesc Brasil mostra que os subsídios para a energia limpa no Brasil são muito menores do que para o petróleo e a energia fóssil, por exemplo, quando se leva em conta a política pública como um todo.

O Brasil, na verdade, poderia arrecadar muito com o carbon tax. Um exercício do Banco Mundial, divulgado há cerca de dois anos, supondo a introdução gradativa da taxação de carbono no Brasil sobre combustíveis fósseis, indicou que se poderia chegar a uma arrecadação adicional de quase 1% do PIB em 2030. Esse carbon tax poderia ser implementado tanto por meio do IS da EC 132/23 como da Cide, que ficou de fora da reforma tributária, mas ainda existe (com alíquota praticamente zerada). Caso esse carbon tax fosse implementado via IS, isso permitiria reduzir a alíquota padrão de CBS + IBS brasileiro, já que o carbon tax simulado pelo Banco Mundial teria uma receita que cresce pelo menos até 2035, quando alcança 1,4% do PIB. Por outro lado, usar a Cide para emular um carbon tax traz vantagens como poder ser alterada por decreto e, do ponto de vista da União, de poder usar essa receita extra (já deduzidos os 29% repassados para estados e municípios) para outros usos que não necessariamente a redução da CBS. 

Borges nota que há vários usos potenciais para a receita extra de um carbon tax, não excludentes entre si: melhorar o resultado primário, financiar a transição energética no Brasil, reduzir a alíquota padrão de CBS + IBS dos outros produtos; e até mesmo para os chamados esquemas de feebates (contração de fee e rebate em inglês, ou, respectivamente, “taxa” e “desconto”), em que, por exemplo, se poderia cobrar o carbon tax na gasolina e no diesel para subsidiar o etanol, o que faz sentido num país em que a frota é flex. Outra possibilidade de uso dessa receita extra seria uma ampliação do escopo do cashback – devolução de imposto para pessoas mais pobres – para além da cesta básica e da energia elétrica, chegando a itens como educação, planos de saúde etc.

Para finalizar a sua reflexão sobre o IS, Borges utiliza o Simulador de Imposto sobre Valor Agregado (SimVAT, na sigla em inglês), lançado há poucas semanas pelo Banco Mundial, uma ferramenta interativa que permite estimar o impacto da reforma tributária em diferentes aspectos. No caso, o economista usou o SimVAT para calcular a alíquota padrão de CBS + IBS mudando as alíquotas de IS sobre vários produtos. Ele nota, como observação lateral, que a ferramenta permite calcular o custo potencial representado pelos lobbies que tentam colocar seus respectivos produtos em regime de alíquota reduzida ou zerada. 

A alíquota de referência que sai do PLP 68 (soma das alíquotas do IBS e da CBS) é de 26,5%, sendo o ponto do meio entre 25,7% e 27,5% mencionados pelo governo. Há várias alíquotas diferentes para o IS implícitas nesse cálculo, sendo de 46% a 62% para alguns tipos de bebidas alcoólicas, 32% para refrigerantes e 250% para cigarros, por exemplo. Como já mencionado, pelo desenho da reforma tributária, quanto maior a arrecadação com o IS, menor pode ser a da soma do IBS e da CBS (via redução desta última). 

Os cálculos de Borges mostram que a introdução de um IS sobre alimentos processados e ultraprocessados (caso em que todos eles deixam de ter alíquota reduzida e cashback, o que também já aumenta a receita tributária) faria a alíquota de referência cair para 25,9%. Se, além do IS de 20% sobre processados e ultraprocessados, fosse introduzido um IS de 10% sobre combustíveis, a alíquota de referência cairia para 25,1%. Na mesma hipótese para alimentos processados e ultraprocessados, mas com IS de 20% e 30% sobre combustíveis, a alíquota de referência cairia para, respectivamente, 24,4% e 23,6%. Borges enfatiza que, nesse exercício, toda a arrecadação adicional do IS é revertida para desonerar o consumo dos demais bens (ou seja, reduzir alíquota de referência do IVA).
Em conclusão, Borges observa que o novo IS, bem calibrado, e mesmo a “esquecida” Cide (que também é um excise tax) oferecem uma boa oportunidade para gerar um sistema tributário mais racional para o Brasil. Isso pode ocorrer não só pela geração de mais arrecadação recorrente, mas por aliviar a carga sobre os demais produtos que não geram externalidades negativas para o meio ambiente e a saúde humana, de forma a melhorar os resultados fiscais e o bem-estar, e reduzir gastos públicos e privados com saúde.

Contudo, seria preciso aumentar ainda mais a abrangência dos produtos sujeitos ao IS, já que o PLP 68/2024, embora tenha incluído as bebidas açucaradas, não incluiu alimentos processados e ultraprocessados, nem um carbon tax efetivo, no downstream, isto é, na ponta do consumo; e tampouco os jogos de azar, um setor em forte expansão puxada pelos sites de apostas. Adicionalmente, é preciso calibrar as alíquotas de forma cuidadosa (nem muito baixas, nem “confiscatórias”), como já observado.

Borges argumenta ainda que o IS sobre a indústria extrativa mineral, incluído na EC 131/23, e ainda não plenamente definido (a alíquota é de “até” 1% do faturamento), pode fazer sentido para petróleo e gás. Nesse caso, seria uma espécie de upstream carbon tax, tentando desestimular a produção de produtos que geram externalidades negativas para o meio ambiente. Mas o mesmo argumento não parece fazer muito sentido para minério de ferro. Eventuais danos ambientais da produção de minério de ferro costumam ser tratados por meio de regulação, e não de taxação. Assim, nesse caso, o IS seria como um royalty adicional à Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) de 3%, com a única vantagem de que seria dividido de forma mais igualitária entre os entes federativos. 

O economista considera provável que o IS sobre a indústria extrativa mineral tenha sido estabelecido apenas como tentativa de gerar uma receita adicional – estimada por ele em R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões por ano, caso a alíquota seja de 1% – que permita reduzir a alíquota padrão de CBS e IBS, depois das várias ampliações de produtos e setores com alíquotas reduzidas ao longo da tramitação da PEC 45/2019 no Congresso (que foi convertida na EC 132/2023). Assim, se evitaria que a alíquota de referência brasileira chegasse ao limite sensível de 27%, que é o caso da Hungria, que tem a maior alíquota padrão de IVA do mundo.

Finalmente, Borges tem uma grande preocupação quanto à governança do novo IS, que deveria ser uma política de Estado. No entanto, a legislação proposta não impede que alíquotas possam ser reduzidas por lei ordinária durante ciclos político-eleitorais, de forma populista, com o risco de nunca mais voltarem aos níveis anteriores, como já ocorreu no Brasil (caso da Cide e de alguns produtos sujeitos ao IPI). 


“Eu me preocupo um pouco com a blindagem do Imposto Seletivo, que deveria ter um horizonte mais de longo e médio prazo, para que os seus diversos efeitos benéficos possam ser colhidos ao longo do tempo”, diz Borges.

Pires, por sua vez, nota que uma das dificuldades para que a regulamentação da reforma tributária caminhe nas linhas propostas por Borges é que a distribuição federativa do IS é muito ruim do ponto de vista da União, já que 60% de qualquer aumento do tributo será distribuído para estados e municípios. Assim, a União ganha mais com uma combinação de IS mais baixo e uma alíquota da CBS maior. 

Do ponto de vista de Pires, esse é um incentivo com consequências negativas que acabou entrando no desenho da reforma tributária. Borges ressalva, porém, que o mesmo não ocorre com a Cide, cuja arrecadação, apesar de também compartilhada, tem uma proporção muito maior da União, relativamente ao IS. Além disso, como a média da arrecadação com o sistema de impostos sobre o consumo está abaixo do teto definido pela reforma tributária (a média de 2012-2021), a União talvez pudesse aumentar o IS sem perder receitas em relação ao nível atual.

De qualquer forma, Borges recomenda um debate mais cuidadoso e detalhado sobre o IS. Ele observa que Bernard Appy, secretário especial da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, disse que vai se arrecadar com o IS o mesmo que se arrecada com o IPI, descontada a Zona Franca de Manaus, cujo IPI continuará a existir, mesmo com a reforma tributária. Borges acha essa uma visão limitadora da questão. Na sua opinião, inclusive, o objetivo do governo deveria ser o de arrecadar mais com o IS, por todos os motivos discutidos detalhadamente nesta Carta.    


O texto é resultado de reflexões apresentadas em reunião por pesquisadores do IBRE. Dada a pluralidade de visões expostas, o documento traduz minhas percepções sobre o tema. Dessa feita, pode não representar a opinião de parte, ou da maioria, dos que contribuíram para a confecção deste artigo.

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